SANTA COMBA DÃO REGISTA MARCA "SALAZAR" PARA VENDER PRODUTOS LOCAIS

o que diriam os alemães se fosse criada uma marca "Hitler" para vender queijos e vinhos?

Ideia parva, ideia de milhões, chamem-lhe o que quiser, mas um conjunto de oportunistas vai utilizar o nome de um ditador para ganhar dinheiro pois, segundo eles, este nome "vende" best-sellers... Só em Portugal, um país onde ninguém se insurge, poderia permitir uma vergonha destas, para além do facto de que registar um nome de um político como seu ser altamente inconstitucional. Salazar vai ser marca registada para potenciar a economia do concelho que viu nascer o antigo Presidente do Conselho, Santa Comba Dão, e um dos primeiros produtos com esse cunho será o vinho “Memórias de Salazar”. O projecto da marca “vai contar com a firme oposição” da União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP). António de Oliveira Salazar nasceu no Vimieiro, a 28 de Abril de 1889, onde está também sepultado, mas a ideia de recorrer à “marca Salazar” para o desenvolvimento do concelho, como explicou à Lusa o presidente da autarquia, João Lourenço (PSD), “não pretende alicerçar-se no saudosismo nem nas romarias da saudade” em relação ao antigo ditador.

“A nossa é sempre uma perspectiva objectiva e histórica, porque os juízos de valor não têm de ser feitos pela autarquia, têm de ser as pessoas, os historiadores, os investigadores [a fazê-los]. Nós temos apenas de demonstrar a nossa convicção de que o que estamos a fazer é útil para o concelho e para a região. E se temos um vinho “Memórias de Salazar” é porque sentimos que as pessoas procuram essa ligação quando nos visitam”, disse o autarca. António Vilarigues, dirigente do núcleo local da URAP, lamentou que a autarquia prossiga na ideia de recorrer à “realidade trágica” do Estado Novo, “que conduziu à detenção de milhares de portugueses e à morte de centenas”, para alicerçar o desenvolvimento do concelho. “Estamos perante a mesma questão de sempre, a tentativa de reescrever a história daquilo que foi o regime fascista em Portugal”, apontou Vilarigues, sublinhando que “este revisionismo histórico é uma ofensa a milhares de portugueses que sofreram às mãos de Salazar”.

A URAP, adiantou o dirigente do núcleo da união em Viseu e Santa Comba Dão, “nada tem contra a investigação e o estudo daquilo que foi o estado Novo”, mas frisou que “toda a documentação importante está na Torre do Tombo” e, por isso, “aquilo que se pretende para Santa Comba Dão nada adianta”. O objectivo da autarquia – que criou já a Associação de Desenvolvimento Local (ADL) de Santa Comba Dão – é “ligar um nome conhecido em todo o mundo aos produtos da terra”, como é o caso do vinho, criar condições para historiadores e investigadores poderem estudar o Estado Novo e fornecer aos visitantes um espaço que lhes permita contactar com o passado de Oliveira Salazar na sua terra”. A questão comercial e da marca merece “a clara oposição” da URAP, frisou António Vilarigues, que contesta a ideia de ligação das memórias de Salazar ao desenvolvimento quando “é sobejamente conhecido que o Estado Novo produziu subdesenvolvimento, obrigou milhões de portugueses a emigrarem para fugir à miséria e conduziu milhares à morte e às prisões e a 13 anos de uma guerra colonial geradora de imenso sofrimento”. “Todos os dados estão aí para desaconselhar esta ideia. A 24 de Abril de 1974, Portugal era um país subdesenvolvido e com uma pobreza onde todos os índices de desenvolvimento humano o colocavam na cauda da Europa”, acrescentou.

A ideia da autarquia é dar agora um “novo fôlego” ao projecto, criar uma “marca Salazar” e, através da ADL, “procurar investidores que permitam o desenvolvimento integral da ideia, que passa pela recuperação da área urbana do Vimieiro ligada ao património que pertenceu a Salazar e espaço envolvente”. Toda a parte de recuperação patrimonial pode custar, segundo o autarca, dez milhões de euros, dinheiro esse que terá de vir da iniciativa privada, “mas também de entidades públicas” que tenham como missão o desenvolvimento local, sendo que este “é um dos ‘projectos-âncora’ para o desenvolvimento da região Dão-Lafões”. Segundo João Lourenço, “o tempo dos grandes investimentos acabou para as autarquias. Os municípios têm tudo feito, das redes de saneamento aos espaços culturais e desportivos, e, obrigatoriamente, o papel dos municípios terá de ser redireccionado, o desenvolvimento tem de partir de ideias locais”. Em cima da mesa há, todavia, questões por resolver, como o património ainda na posse dos dois herdeiros - Rui Salazar, que vive no Vimieiro e com quem a autarquia “tem tudo bem encaminhado”, e António Salazar, o outro sobrinho-neto do ditador, “com quem decorrem conversações com muitos pormenores por acertar”. (extractos do Jornal Público)