A actuação da maioria das empresas portuguesas que operam em Angola vai no sentido de garantir o status quo, "esse esquema de corrupção e libertinagem à volta dos bens públicos angolanos", denunciou o jornalista angolano e activista cívico Rafael Marques. Em entrevista à agência Lusa a propósito do seu relatório "Presidência da República: O Epicentro de Corrupção em Angola", disponível online a partir de hoje na página da Iniciativa Anti-Corrupção Maka Angola (http://makaangola.com), Marques criticou que as empresas internacionais que operam no país "continuem a contribuir para que a corrupção seja a principal instituição de Governo". Segundo Marques, "quase todas as empresas portuguesas, para se estabelecerem no mercado angolano, arranjam sempre como sócio um ministro, a família presidencial ou um general, o que configura situações de tráfico de influências, de corrupção ativa de dirigentes e outros atos ilícitos". Estes negócios "só beneficiam uns poucos que concentram as riquezas de Angola e que, para garantirem o seu poder, criam uma clientela internacional bastante volumosa e dispendiosa para garantir a legitimidade dos seus actos", frisou. "Isto não contribui para o desenvolvimento, é uma forma anormal de reforçar o poder político e económico de uma elite predadora, em detrimento de todo um povo", denuncia no documento, ao qual a Lusa teve acesso.
Marques considera que a actuação das empresas portuguesas "não pode dar bons resultados" e que "é uma questão de mais 10 ou 20 anos", porque "não há um investimento a longo prazo, um investimento político", precisou. Para o jornalista, é preciso "uma mudança, também para o benefício" de Portugal. "Hoje pode roubar-se muito em Angola, pilhar o Estado angolano por mais uns anos. Mas este período de saque pode ter o mesmo efeito que os 500 anos de colonização", dos quais Portugal também "acabou por não usufruir". A este ritmo, "é o grande risco que se corre", asseverou, lembrando que muitos investimentos portugueses em Angola estão reféns da "vontade política de quem está no poder num regime déspota". "Não se salvará a situação económica de Portugal passando por cima da miséria dos angolanos, atropelando a sua dignidade e fomentando a corrupção no país. É certamente um caminho que acabará num beco sem saída", vincou. Marques lamentou que a visita de Cavaco Silva a Angola tenha sido apenas "uma visita de cobrança de dívidas", e que não se tenha abordado os "danos que a própria atuação das empresas portuguesas causa à estabilidade política e ao desenvolvimento de Angola, nem em que circunstâncias acontece". As dívidas "astronómicas" de que se fala precisam de mais explicações: "É preciso descriminar essa dívida, a sua origem, e explicar como em tão pouco tempo Angola está outra vez endividada até ao pescoço. Teria sido um exercício bastante saudável se as próprias empresas portuguesas, de forma pública, declarassem quanto têm a cobrar", vincou.