UTOPIA SOCIAL: “A CIDADE DO SOL”

o culto a Áton, o Deus único solar egípcio, foi instituído e defendido por uma sociedade secreta do faraó

Tomás Campanella nascido a 5 de Setembro de 1568, na Calábria, viveu 40 anos aproximadamente, 27 dos quais permaneceu prisioneiro pelas suas ideias “avançadas” para a época. Obra semelhante à de Thomas More (A Utopia) e de Francis Bacon (A Nova Atlântida), teve como base “A República” de Platão. Com 14 anos entrou para a Ordem dos Pregadores e desde cedo revelou preferência pela filosofia fundamentada na experiência, mais científica, tendo por isso de enfrentar-se inúmeras vezes com a igreja católica. A sua “Civitas Solis”, inspirava-se igualmente nos princípios de Santo Agostinho (A Cidade de Deus) mas com uma componente menos religiosa, mais pragmática e liberal, embora igualmente disciplinada.

Esta utopia era comunitária, embora a sua elite governativa fosse hierárquica (um regedor sacerdote e metafísico, assistido por 3 chefes que detinham os 3 principais triúnviros: potência, sapiência e amor). O primeiro representava a autoridade absoluta, o triúnviro da potência tratava dos assuntos da paz e da guerra, o da sapiência das questões das artes, das ciências, magistrados, doutores, escolas e o do amor, tratava de todas as questões relacionadas com a procriação, educação das crianças, medicina, agricultura, pecuária, preparação das mesas, dos alimentos e do vestuário. Desta forma escapar-se-ía à desumanidade dos magos, dos ladrões e dos tiranos. Tudo era comum: as ciências, as dignidades e os prazeres. Ninguém podia obter favores particulares e todos se tratavam por irmãos. A mentira era considerado um grave delito e era penalizado com a privação da mesa comum ou do prazer sexual.

Homens e mulheres usavam um uniforme, sempre preparados para todo o tipo de eventualidade - o trabalho, o descanso e mesmo a guerra. A educação era do tipo “à grega” e os responsáveis pela defesa seguiam uma linha mais “espartana”. Acreditava-se que o homem sábio seria mais equilibrado e justo socialmente e representaria uma forma inteligente de evitar os políticos tiranos, geralmente ignorantes hábeis, prepotentes e injustos. Assim uma classe de magistrados, homens experientes na vida prática e nas ciências, criaríam uma sociedade mais bem regulamentada e equilibrada, disseminando métodos de instrução e ensino de grande excelência, que facultavam uma aprendizagem eficiente e rápida. No início de vida tudo era comunitário – as casas, os quartos, as camas - e aos poucos, iam ganhando algum sentido de individualismo, à medida que possuíssem maturidade. As oficinas eram presididas por homens e mulheres de idade que ensinavam os menos experientes, mais novos. Segundo o seu conceito, uma boa organização social permitia criar pessoas boas, de bom carácter e de grande sentido comunitário. Apelidavam-se com nomes que designavam as suas qualidades e o seu carácter. Cada individuo não trabalha mais de 4 horas, havendo trabalho para todos, sendo o restante tempo dedicado ao bem comum, à família, ao estudo, à leitura, às discussões, à escrita, às conversas e aos passeios.

Consideravam a pobreza das cidades a principal razão de existirem indivíduos vis, velhacos, fraudulentos, ladrões, intriguistas, vagabundos e mentirosos. Contra a guerra prepararam um conjunto de homens “espartanos” e mulheres “amazonas” que defenderiam os interesses primordiais da população geral. Todos os seus habitantes não temem a morte, pois acreditam na imortalidade da alma, que ao abandonar o corpo, é acompanhada dos espíritos bons e maus, conforme o tenham merecido na vida terrestre. Em caso de guerra utilizam técnicas bélicas romanas, em especial o tipo de acampamento bélico. Os traidores e desertores são lançados às feras, tal como o faziam os romanos. Todos os que se queiram tornar habitantes “solares” são admitidos depois de honras, provas, juramentos e cerimónias. Admiram a religião cristã, usam tecnologia não poluente e privilegiam as técnicas naturais de cultivo, sem recurso a adubos. Têm uma alimentação à base de carnes, manteiga, mel, queijos, tâmaras e legumes diversos. Esfregam os dentes, mastigam hortelã, salsa ou erva-doce (os mais velhos incenso) para manterem uma boa higiene da boca. Usam os banhos e óleos, tal como os antigos gregos e romanos. Curam a sífilis com banhos regulares de vinho. A epilepsia era combatida com substâncias ácidas e excitantes.

Quanto às assembleias da cidade, a cada lua nova e cheia, depois do sacrifício, eram convocados todos os maiores de 20 anos a participarem na discussão dos assuntos comuns, podendo cada um dizer o que considerava estar certo ou errado, designadamente pedir que algum magistrado-sacerdote (responsável por cada arte ou área social com o papel igualmente de purificarem as consciências) seja substituído. Aplicavam a Lei de Talião nos casos de crimes premeditados. Não adoram estátuas nem deuses e apenas erigem esculturas de pessoas depois da sua morte. Recitam uma única oração, na qual pedem sanidade de corpo e de mente, felicidade para si e para todos os povos e terminam com: “como melhor parecer a Deus”. Acreditam nas profecias cristãs, honram o sol e as estrelas e interpretam os astros para a maioria das suas actividades. No sol contemplam a imagem de Deus, fonte de toda a luz, calor, vida e felicidade de todas as coisas. O homem foi destinado por Deus a um grande fim. Adoram Deus na trindade, pois Deus é Suma Potência, da qual procede a Suma Sapiência e de ambas o Amor (simultaneamente Potência e Sapiência).

Criticam e estranham o mundo que vive governado por seres não-superiores, conseguindo mesmo assim viver parcialmente felizes. Num mundo onde triunfam os perversos e onde a guerra é a regra de imposição da ordem. Os habitantes solares propõem uma sabedoria antiga: “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti e faz aos outros o que gostavas que te fizessem a ti”. Aceitam a religião cristã como sendo a única verdadeira, a qual, eliminados os abusos, deverá dominar o universo. Os tempos, são para eles, efeitos das causas universais, isto é, das celestes, e por esse motivo estudam atentamente as suas influências, tal como o fizeram a maioria das grandes civilizações da antiguidade. Dão valor aos números, apoiando-se nessse aspecto, na filisofia pitagórica, mas não se baseiam unicamente neste e sim na medicina acompanhada de números, numa perspectiva científica. Mas a sua principal certeza é que, “por direito natural, todas as coisas são comuns”…

Não deixa de ser curiosa esta utopia, que apesar de rondar um estranho “absolutismo controlado” por um pequeno grupo de 4 pessoas (um sacerdote supremo e 3 magistrados) propõe um comunidade baseada no bom-senso, na partilha e na harmonia com a natureza. Igualmente de vanguarda propõe ideias tão liberais para a época como a partilha das mulheres por vários homens, ao gosto destas, desde que observadas algumas regras pré-acordadas. Mais curioso ainda, ela ser apresentada através de um diálogo entre um Grão-mestre dos Hospitalários e um Almirante genovês, o que coloca esta utopia num plano esotérico, pela sua relação com as sociedades secretas com origem em cultos tão antigos como os de Akhenaton, o faraó que implementou o culto ao Deus-Sol único. Da mesma maneira a descrição desta comunidade, prova que esta utopia, ou provavelmente, qualquer utopia social apenas pode existir num pequeno universo controlado, uma pequena cidade, por exemplo, ou uma grande vila, o que nos lembra, sem quaisquer sombra de dúvidas, um tipo de comunidade ainda existente hoje: os Mormons. Para os mais entendidos em toda a filosofia subjacente às Lojas Maçónicas e Illuminati em geral, este tipo de sociedade, organização, lei e cultos, não será de todo estranha à queles que estes praticam no seio da sua “fraternidade”… Esta seria a “sua” utopia, se não tivesse degenerado, nos dias de hoje, numa gigantesca “sociedade” não comunitária e corrupta, onde os bons princípios apenas se aplicam aos seus membros, sendo todos os “profanos” não abrangidos pelas suas regalias…!!!