«[…] O Portugal de hoje prolonga o antigo regime. […] O “pequeno”, para o português, é, na realidade, o que para os outros povos representa o “médio”. É no meio dos pequenos objectos que ele se sente à vontade, é neles que investe enchendo a casa de bibelôs, fotografias, cobrindo as paredes com coisas pequenas […]. […] O ser pequeno é a estratégia portuguesa de permanecer inocente, continuando criança. […] Em Portugal […] qualquer promessa é vã. […] Ora se tenta inscrever freneticamente tudo, absolutamente tudo em actas, para que nada se perca, ora reina a maior negligência nos arquivos que ninguém consulta nem consultará (espera-se).»
«[…] A partir do fim dos anos 80 – a afectividade social de antigamente e o familiarismo sofreram golpes decisivos com a desestruturação da família e com […] o enriquecimento súbito, possível, para uma grande quantidade de cidadãos, e a saída definitiva da situação geral, de pobreza em que o país vivera durante séculos. […] A (de) uma modificação brusca de uma economia familiar de poupança para uma economia de consumo desenfreado. […] A poupança não foi apenas uma técnica, por assim dizer, artesanal, de amealhar […]. Foi uma estratégia de sobrevivência […] num país em que não existiam praticamente segurança social e apoio à saúde […]. A poupança não se praticava unicamente nas classes populares, abrangia quase sem excepções as classes médias. […] Poupava-se na comida, na roupa, na casa, nos divertimentos, nos prazeres da vida e de toda a ordem. […] Não é difícil imaginar as consequências de um tal regime de vida, […] controlo permanente, autodisciplina mutiladora da vontade de vida (e da vida da vontade). Além do desenvolvimento de um certo egoísmo social que limita a generosidade e a solidariedade, tão largas em geral nas sociedades de pobreza. […] À lógica de poupança seguiu-se, sem mediações, à lógica do consumismo e do desperdício. […] Mas se a Europa entrou em nós, nós não entrámos na Europa. […] E o nosso frágil tecido económico esboroa-se dia após dia. Portugal arrisca-se a desaparecer.»
«[…] A partir do fim dos anos 80 – a afectividade social de antigamente e o familiarismo sofreram golpes decisivos com a desestruturação da família e com […] o enriquecimento súbito, possível, para uma grande quantidade de cidadãos, e a saída definitiva da situação geral, de pobreza em que o país vivera durante séculos. […] A (de) uma modificação brusca de uma economia familiar de poupança para uma economia de consumo desenfreado. […] A poupança não foi apenas uma técnica, por assim dizer, artesanal, de amealhar […]. Foi uma estratégia de sobrevivência […] num país em que não existiam praticamente segurança social e apoio à saúde […]. A poupança não se praticava unicamente nas classes populares, abrangia quase sem excepções as classes médias. […] Poupava-se na comida, na roupa, na casa, nos divertimentos, nos prazeres da vida e de toda a ordem. […] Não é difícil imaginar as consequências de um tal regime de vida, […] controlo permanente, autodisciplina mutiladora da vontade de vida (e da vida da vontade). Além do desenvolvimento de um certo egoísmo social que limita a generosidade e a solidariedade, tão largas em geral nas sociedades de pobreza. […] À lógica de poupança seguiu-se, sem mediações, à lógica do consumismo e do desperdício. […] Mas se a Europa entrou em nós, nós não entrámos na Europa. […] E o nosso frágil tecido económico esboroa-se dia após dia. Portugal arrisca-se a desaparecer.»
(in, Portugal, Hoje: o Medo de Existir, José Gil, Relógio d’Água Editores, 2005)