O FALSO MORALISMO PORTUGUÊS

35 anos depois do 25 de Abril, Mário Soares "esqueceu" muitos ideais de liberdade...

Durante uma sessão do recente filme de Woody Allen “Vicky Cristina Barcelona” tive um arrepio sobre aquilo que já há muito tempo sinto do falso moralismo português. Na primeira cena em que Scarlett Johansson beija Penélope Cruz o público, quase unânime, riu alto (não uma gargalhada, mas apenas um breve riso de pura satisfação e alegria), sentiu-se satisfeito, rejubilou. Na primeira vez que Rafael Bardén beija as duas e começam os três a acariciar-se e a beijar-se em conjunto, o público rejubilou ainda mais em risos e breves comentários de satisfação plena. Sentia-se algum arfar e transpiração da libido no ar. Eu pergunto-me: afinal o que querem os portugueses? Aceitam ou não os casamentos entre pessoas do mesmo sexo? Porquê tanta satisfação quando estão numa sala escura e tanta reprovação à luz do dia?... A lei foi ao parlamento e chumbou pela mão do próprio partido que a levou à discussão para aprovação. O mesmo partido que pede agora uma maioria absoluta baseado na mentira e na falsa promessa de levar novamente a lei à assembleia para ser votada novamente. Depois Mário Soares, essa grande sumidade socialista, especialista em casos específicos de generalidades plenas de populismo pós-revolucionário, que discute temas interessantíssimos da política contemporânea com léxico político e vocabulário português anterior ao recente linguajar neo-português da sua camarada de partido Edite Estrela, vem este venerável senhor dizer que o seu “afilhado” (pois é assim que o trata em público dado o seu ar paternalista) José Sócrates não deve insistir “na ideia errada dos casamentos homossexuais” (segundo suas próprias palavras) porque isso não interessa aos portugueses e não é uma prioridade para a democracia!!!... Afirma ainda que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma ideia muito à frente, “uma aberração, que uma certa esquerda vanguardista” (e aqui espeta a farpa ao Bloco de Esquerda com toda a força) pretende fazer passar como uma necessidade social de extrema importância!!!... Parece-me claro que este comentário nem merece ser comentado, porque provavelmente também não conseguiria utilizar a linguagem simplificada, populista e tão pouco “neo” necessária para fazer esta nobre figura da política histórica portuguesa compreender que a homossexualidade é uma questão social da actualidade que todas as democracias europeias modernas souberam enfrentar e aceitar.

Mas mais grave do que estes comentários proferidos pelos ditos “senhores da tradição” com mil e tal anos de idade mental (maçons na maior parte das vezes) que se julgam os donos do moralismo social, parece-me ser a atitude generalizada de muitas pessoas em Portugal, de tratarem os homossexuais como pessoas inferiores, uns “coitados”, “mentalmente atrasados”, uns outsiders, uns rejeitados. Muitos pais e famílias chegam mesmo a abandonar, torturar psicologicamente ou fazer a vida negra aos seus filhos quando descobrem a sua orientação sexual para o mesmo sexo. Face a este cenário “medieval”, tão típico do ambiente vivido pela inquisição, apercebemo-nos da diferença abissal que existe entre a mentalidade portuguesa e a actual sociedade espanhola. Em muitos aspectos, passar a “fronteira” do território português para as terras hispânicas pode significar, em muitos aspectos, “estar” ou sentir um pouco do cheiro da Europa…