O BURACO NEGRO DAS CONTAS DA "ESTRADAS DE PORTUGAL"

o Governo quer colocar os portugueses a pagarem com portagens o "buraco" da EP

O Governo prometeu em 2007 um sector rodoviário auto-sustentável. Passados quatro anos, a Estradas de Portugal (EP) continua a ser sustentada pelo Estado e aumentou o seu endividamento em 3.860%. É uma séria concorrente a empresa pública mais endividada de sempre. Mário Lino, ex-ministro das Obras Públicas, e o seu secretário de Estado Paulo Campos, não podiam ser mais claros quando fizeram aprovar o Modelo de Gestão e Financiamento do sector Rodoviário no Parlamento: 'retirar' a Estradas de Portugal (EP) do Orçamento de Estado (OE) e transformá-la numa concessionária pública da rede rodoviária nacional, autosuficiente, que, durante 75 anos, recebe as receitas das portagens nas auto-estradas e paga um valor aos privados pela disponibilidade das vias e pelo serviço de construção e manutenção. Prometeram, mas não cumpriram. As transferências directas do OE continuam a verificar-se, a uma média anual de 566 milhões de euros (ver caixa), por que a empresa não tem receitas próprias que cubram as despesas com as rendas das auto-estradas SCUT e com a manutenção da rede rodoviária que não tem perfil de auto-estrada. Sem receitas, a EP seguiu o plano delineado por Lino e Campos: endividou-se. De 50 milhões de euros em 2005, passou para 2 mil milhões de dívida em 2010, ou seja, mais 3.860%. Mas a espiral de endividamento não ficará por aqui, já que a empresa prevê atingir os 2.677 milhões daqui a dois anos. Ou seja, mais 5.201%. O endividamento da EP sempre foi desvalorizado por Mário Lino, Paulo Campos e pela administração de Almerindo Marques face ao valor dos activos da empresa: 14/15 mil milhões de euros. Em teoria, os responsáveis das Obras Públicas admitiam que a EP podia endividar-se até ao valor total dos seus activos.

O contributo da concessionária da rede rodoviária nacional para a performance das contas nacionais vai agravarse a partir de 2014. Desde a criação do Modelo de Lino e Campos, a EP tem tido necessidades de financiamento anuais na ordem dos 500 milhões de euros, mas daqui a dois anos pode vir a duplicar as necessidades de financiamento, quando começar a pagar as rendas das novas auto-estradas lançadas pelo Governo de José Sócrates. São mais 10 concessões rodoviárias que deverão custar anualmente cerca de 800 milhões. Se somarmos a estes valores os 896 milhões de euros que as SCUT vão custar em 2011 (valor que deverá manter-se constante até 2019), chegamos a uma nova factura anual máxima que terá que ser suportada pela EP: 1.700 milhões de euros. Com esta factura para pagar, a EP arrisca-se a ultrapassar a Refer (com uma dívida de 5,5 mil milhões de euros) como a empresa pública mais endividada de sempre. Será uma 'bota' que o próximo Governo terá que descalçar. O FIM das transferências directas do Orçamento de Estado para a EP e a auto-suficiência da concessionária pública da rede rodoviária nacional são dois mitos que nasceram com o modelo de Lino e Campos. As transferências, de facto, continuam a verificar-se: 570,9 milhões em 2008 e 562,7 milhões em 2009. Só que, em vez de serem realizadas ao abrigo do PIDDAC, são feitas a coberto da Contribuição do Serviço Rodoviário (CSR) - uma taxa criada pelo modelo de Lino e Campos que representa uma percentagem do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), pago pelos contribuintes quando abastecem os seus carros. A CSR é a principal prova de que como a EP está nos antípodas da auto-suficiência. O valor dessa taxa representou cerca de 95% das receitas operacionais da EP em 2008 e em 2009. E, por isso mesmo, sem ela a empresa nunca teria atingido os lucros de 74,5 milhões de euros em 2009. Mesmo com portagens aplicadas nas sete auto-estradas SCUT, a EP continuará a ser largamente deficitária. Em 2011, essas sete vias custarão 896 milhões de euros. Ora, as portagens já aplicadas nas três SCUT do Norte (as que têm maior tráfego) poderão render, sem qualquer isenção, um máximo de cerca de 260 milhões de euros. Para as quatro restantes (que, com a excepção do Algarve, têm muito menos tráfego), a expectativa é muito menor. No máximo, a EP deverá obter uma receita total de 400 milhões com as portagens valormuito abaixo do custo anual dessas vias.